Alzira

Alzira é o nome da minha galinha mais velha. É também o nome da filha que nunca tive. E era o nome de uma vizinha da minha avó, que tinha um genro que gostava de me ver a dançar ballet na sala com a família reunida e um neto que fazia experiências com kits de química na cozinha. O marido era o Costa Pinto, como a todos, aliás, chamávamos. O Costa Pinto cuidou da Maria Alzira até ao último dia de uma agonia que se arrastou por anos até dela não sobrar nada que não Alzeihmer. Dela lembro-me sobretudo dos suaves olhos azuis e de um dia me ter emprestado um chapéu para me mascarar de dama antiga.

A Alzira chegara há, exactamente, um mês, numa grande caixa de cartão, com três pintas de três semanas apenas. Ela teria um ano, disseram-nos no armazém da loja de ferragens de onde a resgatámos da caixa plástica de rede onde mal se podia mexer com as irmãs; estaria a duas semanitas de pôr ovos, também nos disseram. Não foi por isso que a trouxemos, mas para ensinar às mais pequenitas a entrar e sair da casa nova, a subir ao poleiro, a caçar minhocas e todas essas coisas que observo ainda pela primeira vez. A D. Angelina, que uma vez veio fechar a porta do galinheiro, ao anoitecer, quando nos ausentámos por Lisboa, explicou-nos depois que a Alzira ainda era criança, faltava-lhe crescer mais a crista e começar a doulejar, que é como cantam as galinhas quando amadurecem. A Alzira abria as suas grandes asas pretas e acolhia debaixo delas as três pequeninas, subia ao poleiro mais alto e lá dormia com elas; uma vez que me atrasei a fechar a porta, encontrei-as às quatro separadas, a Alzira de olhos bem abertos em alerta, não fossem predadores entrar por ali adentro. A Alzira deixava-se apanhar passados uns dias e gostava de me ouvir ler e cantar.

Hoje parou de andar, de comer e de bicar, permaneceu de pé no seu cantinho preferido à sombra. Pensei que dormisse, achei estranho que fechasse os olhinhos sempre tão vivos. Fiz-lhe festinhas, cantei um bocadinho. Voltei mais tarde, quando lhe toquei deixou-se cair. Peguei-lhe ao colo, coloquei-a, a medo, sobre a palha no interior da casota. Fiz um telefonema a pedir ajuda, não sabia o que fazer. Fui então buscar uma caixa com palha para a levar para casa, quando voltei tinha-se deixado ir. Morreu a Alzira.


 

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