Terra franca

Por muito que eu preferisse a comunicação dos anos 90 à dos tempos coevos (e que leitores anónimos pudessem vir ao meu encontro sem que eu tivesse de engendrar meios de os aliciar através de plataformas mais visíveis e abrangentes, que é como quem diz das redes sociais mais actuais), sei bem que o telefone não vai tocar e que a caixa do correio não se vai encher de cuidadas missivas para meu próprio regalo sem a minha prévia colaboração. E ainda que colaborando qual estratega desse famigerado sintoma em extinção que é a comunicação sincera… autêntico intercâmbio fora de um qualquer projecto segue raro no que me diz respeito. Às vezes sinto ciúme, confesso, esse fatal sentimento, daqueles que se vêem revestidos de incontável atenção pública, mas depois penso (a frase podia acabar aqui) que não faz qualquer sentido invejar o que, de facto, não interessa almejar. A sensação de não chegar lá onde alguns chegam acaba por diluir-se numa quiçá mais lógica certeza de ser, simplesmente, incapaz de outra disposição para o outro que não esta minha. À distância de tantos mais afectos porque os terei querido apenas se por inteiro. Além de tudo o mais.

Esta debilidade da resiliência advirá estes dias da incrível canseira e incontornável peso na cabeça que, por uma vez, me atiraram para a cama por doença que não mental. Ah, o alívio, ao início, por se não tratar a incapacidade de apatia ou medo, mas apenas do vírus ao que já me adivinhava imune e que afinal não mais mazelas parece em mim provocar que uma ligeira agonia do amor-próprio escutando os ponteiros do relógio da cozinha e o aflitivo miar do gato não me permitindo o abandono total à auto-comiseração. É esta constatação patética da solidão, intrínseca à mais básica consciência da condição humana, que se manifesta agora, declarada e universalmente, dizem os entendidos das ciências sociais e humanas, e da falência da ideologia, digo eu, entre tantos outros, enquanto fenómeno maior da nossa espécie no séc. XXI. Julgo ter sido aos 16 anos, quando a sensibilidade correspondente às lesões da altura primeiro ma fez revelar, lembro-me, em forma de fraca prosa poética, passando a assinar, então, Maria Terra Só.

Maria Terra Só existia expedindo uma espécie de doce desespero por envelope, ansiando por qualquer evidência de amor. Tinha mãe, pai, avós, irmãos, amigos, a urbe e o tempo todo por vir. Eu tenho um companheiro de todos os dias, o amor e a angústia adjacente de o poder vir a perder, um pedaço de terra por habitar e quanta urbe por continuar desbravando até que baste. Também tenho alguns amigos, mas nem amigos, nem amantes reparam ausências determinantes do irrecuperável. Na realidade nunca basta o que sempre ficará faltando. Será por isso que existo escrevendo, ainda.



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