O Pego do Inferno

Nos últimos dias, como acontece com frequência se visitando localidades deste país para além das grandes e médias cidades, tenho-me questionado de onde vêm estes nomes bizarros, misteriosos, cómicos ou ridículos que por nós passam, distraidamente, em tabuletas à beira da estrada ou nem sequer inscritos e a que, raramente, dou a devida atenção. Terão as gentes locais destituídas de qualquer poder político algum voto na matéria, basear-se-ão estes nomes em acontecimentos reais, lendas ou impressões pessoalíssimas? Ditará o nome de um sítio futuras sensações de quem o visita ou, mais ainda, de quem nele permanece?

Hoje cheguei ao “Pego do Inferno”, destino improvável sem um carro e alguns sustos nas curvas apertadas do sotavento algarvio, para além do perigoso acesso pedonal. Trata-se de uma enseada recôndita com uma cascata de água doce cristalina rodeada de canavial, rocha barrenta e laranjais em estado selvagem, com espaço para nadar e vestígios do mar. Entre propriedades privadas e natureza bruta, não está sinalizado o caminho até lá, não se destina a todos. Outrora mantido pela câmara municipal de Tavira, não se sabe, exactamente, se devido a vandalismo, excesso de turismo, fogo ou todos os três motivos, o espaço envolvente acabou por ser votado ao abandono há cerca de 10 anos, diz-se que para o re-naturalizar. Mas abandono institucional não se traduz, necessariamente, por esquecimento popular, assim o determina a memória dos muitos que por lá foram passando e seus vestígios na internet. Será esta conjugação de intenções das massas e apatia do poder local que melhor traçará possibilidades várias de mais uma tragédia no local, sem grande ou nenhuma surpresa fazendo uma e outra vez cumprir o destino que o seu nome indicia.

Não sei quanto deste Algarve se ocultará ainda do vulgo turista pé descalço olhando os menús impagáveis dos restaurantes cheios nas marginais sem fim. Quanto restará e quanto dele se poderá restituir a um estado mais natural, mas cuidado, pelo menos semelhante ao que dominava a paisagem antes do betão e da cobiça tudo cobrir, é uma questão que se avoluma em mim passadas três décadas de ausência na região.

Nos cumes da serra reina o abandono das infraestruturas que resistem na paisagem desoladora e o isolamento dos velhos; neste vale algumas marcas da juventude entediada, aparentemente, sem perspectivas. Pergunto-me se o inferno será o de quem só ficou, o de quem se vê partir ou o de quem busca prazer voltando para aqui errar, derradeiramente. Talvez seja o do medo de todos: dos fogos, da solidão e da morte, que grassa no cerne de toda esta vida.

Ribeira da Asseca, Sto. Estêvão

        Pego, nome masculino:
        
1. o sítio mais fundo, num rio, onde não se tem pé
         

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