Cebola-das-gaivotas

No dia em que a Areia foi, finalmente, operada às vetustas infecções no ouvido esquerdo, amanheceu fresco e cinza para alívio da nação em combustão. Sentámos-nos na primeira esplanada desta nova vida junto ao mar a ver as gaivotas à espera de sobejos do peixe que ali amanhou por largos minutos a rapariga do restaurante. E assim se passou a hora de beber café: desconhecia o paciente silêncio destas aves cujo vislumbre sempre me devolve alguma da alegria primordial; quem me dera que se revestissem os nossos dias de infinitos hiatos semelhantes. Mas logo se dissipou a névoa matinal que se estendera até à hora de almoço e afastara os veraneantes das praias e das pracetas daquela célebre vila de incontornável destino estival. Ainda nos abandonávamos à sorrateira beleza dos narcisos brancos das areias contra o azul marítimo e já aquele resplandecia no céu transparente revelando os caminhos de volta aos parques de estacionamento, à facturação das impagáveis gelatarias de renome e a todas as outras intermináveis filas de consumo inadiável. 

O solo é pobre nas dunas atlânticas, árido como por aí fora até à extinção, mas ali sabe a normalidade. O calor deixa transpirar porque não há humidade. Mais duro é o caminho de volta com um cão convalescente num fim de vida surpreendente, porque repleto de cuidado e carinho, ainda que sem ar condicionado. Este, como as piscinas de olímpico fresco cumpre apenas o desserviço aos eleitos de manutenção da ilusão que a todos nos vai empurrando com mais ou menos privilégios de abstracção.  


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