Delírio perimenopáusico
Podiam ser apenas três noites seguidas de suores dilacerantes, aparentemente, afrontamentos. Mas tenho sido também acometida por aquele tipo de sonhos infindáveis, repletos de aventuras e volte-faces na companhia de amigos do presente e do passado longínquo, como de amantes e figurantes de todas as eras, reaparecendo num rol de actividades mirabolantes a desembocar numa dor de cabeça monstra às duas e meia da tarde. Desconheço como acordam de manhã para ir trabalhar todas as mulheres padecendo, naturalmente, desta condição.
Foi hoje maior o transtorno do afogamento, fico sem saber se são os sonhos que o induzem ou este que os proporciona. Seja como for, houve deslocações constantes e matéria acumulada, quem me dera já ter tido a presciência de conservar um caderninho de anotações na mesa de cabeceira para me recordar agora exactamente de qual. Longe vai o final da terapia e seus exercícios, a maior parte das vezes, auto-infligidos, que agora me faltam; sinto precisar de algum aprofundamento da reflexão perante tamanhas confusões mentais. Sobram cansaço e dores musculares. Mas sobretudo uma necessidade de ordenar a vida toda numa lógica de sentido único, que disparate.
Passei as segundas horas da tarde depois do café a depilar as pernas, menosprezadas faz tempo, com bandas de cera a passar de prazo. Depois depilei as axilas, há um ano ao confortável abandono, com uma gilete pronta a ir parar ao lixo de seguida. Tomei banho, esfreguei-me com óleo de calêndula. Limpei as sandálias, fui passear com o gato e a cadela na outra margem da ribeira, onde as pobres ovelhas sem tosquia do malfadado pastor ainda não devoraram as flores mais tenras. Atravessámos a água que ainda corre, limpámos a ferida em sangue na orelha esquerda da Areia no jardim. Ligámos o gota-a-gota na horta, reguei o canteiro elevado. Caía o sol quando me sentei a pintar as unhas de lilás escuro no palco, as galinhas na sua comezaina lúdica de nêsperas maduras.
Cai agora a noite no pátio e o vinho branco está fresco. Ignoramos as vozes acéfalas na estrada, ela come frango e eu azeitonas: falta fechar a porta do galinheiro e esperar pela chegada do Kotti para nos sentirmos em segurança. Mais tarde chegará o homem, todos aspiraremos a dormir em paz.
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