La parenté, c'est quoi?
Há uma citação de um livro que nunca li que me acompanha desde tenra idade, pelo menos desde a altura em que sabia reproduzir versos de James Douglas Morrison como quem dá a missa, principalmente quando dizia Prefer a Feast of Friends to the Giant Family. "Cartas Persas", de Charles-Louis de Secondat, mais conhecido por Montesquieu (1689-1755), trata-se de um romance epistolar (género que me fascina), e foi publicado, anonimamente, em 1721. Constituiu base, aparentemente, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do próprio conceito inaugural de cidadão aquando da Revolução Francesa; dando cartas que obrigam à reflexão política, quer sobre a sociedade parisiense coeva, quer sobre o mundo islâmico sob o olhar (fictício) do outro, o estrangeiro deslocado, será afinal o drama da ausência o que terá elevado a obra à almejada universalidade. Pelo menos, é mais ou menos isto o que diz Nuno Júdice no prefácio de 2015 das Edições tinta-da-china (foi o que encontrei online). Como digo, só conheço duas frases.
Não posso assegurar qual a origem do meu apego à afamada citação sobre as condições do parentesco por afinidade, mas creio ter sido um grande amigo, que diz que talvez seja melhor pensar um pouco, um pouco... e que nunca deixou de ler e partilhar as suas leituras e reflexões, generosa e entusiasticamente, quem ma fez, atempadamente, chegar; isto é, no seio da minha mais dura descoberta à época no que diz respeito à inevitabilidade da biologia e das possibilidades do acaso, inaugurando assim em mim irreversíveis alternativos desejos de pertença.
Que laços da razão e da sensibilidade são esses, afinal, como nos sustentam? São os que resistem ao individualismo que sempre grassa? Fazem-se do tempo, apenas, das cumplicidades resistentes às tragédias e às batalhas, da partilha continuada das alegrias esperadas ou inesperadas? Há rituais de que dependam, por analogia à organização sistémica da família de sangue ao longo de gerações? Implicam um quotidiano? Uma solidariedade incondicional? Têm que ver com amor próprio e ao próximo, para além de circunstâncias impostas e responsabilidades que se queiram criar?
São laços assentes numa escolha espiritual que também se veste de lealdade, vulnerabilidade e desejo de constituir comunidade, parece-me, que se querem mútuos e inadiáveis. Mas, sobretudo, que não se deixem reivindicar, nem se permitam esmorecer, não deixando nunca de pulsar.
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