O Barqueiro

Penso com frequência no barqueiro, especificamente, na natureza do seu trabalho, especialmente, quando me assolam pensamentos menos felizes, quiçá algo atormentados pela procrastinação associada, na preparação para retomar a busca por um ou outro empregador, agora que já me assumia trabalhadora independente, mas sobretudo autónoma. O barqueiro. Vai e vem com a maré cobrando umas moedas pela travessia até ao inalcansável, dependendo da estação e das necessidades da clientela, sejam elas de usufruto de prazer ou equilíbrio, experimentação de adrenalina da mais natural, dependendo essa do tipo de navegador, percepção de beleza ou liberdade, ou mesmo de aprendizagem básica com recurso a algum tipo de código, mas, sem dúvida, cumprindo desejos. Na Primavera levanta a âncora, no Verão quase não a enterra na areia, no Outono pousa, no Inverno não faço ideia. Como sobrevive um barqueiro? Havia uma músiquinha cruel quando era criança, quase todas o eram, uma lengalenga infantil que contava de um terrível barqueiro que exigia uma criança em troco de passagem gratuita para uma mãe com vários filhos esfomeados, porventura rumo a destino mais essencial que de recreio. Imagino que também o barqueiro terá sua fome e sua família, acredito que alguns negócios, mais ou menos claros dependerá da sua pessoa e particular biografia, mas que importa da sua dura e autónoma produção a céu aberto, se em todo o lado já só se celebra a produtividade distribuída por todo o ano, independentemente das condições e especificidades de trabalho e calendário? Preferencialmente, com descontos impagáveis para a segurança social, arriscando chegar a velho e sobreviver na miséria.


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