A Irmã Mexicana
Os canteiros de legumes, no meu quintal, têm nomes de mulheres latinas. As plantas são, na generalidade, autóctones, mas a Yucca é mexicana. Este ano, o terceiro, cravejada de formigas devorando larvas nas suas feridas, ela própria esgrimindo venenos antigos na profundidade da pouca terra que lhe cabe. Foi o que entendi e foi mais ou menos isto que terei dito à minha amiga, aquela que diz que brincar é uma maneira de estarmos juntos a pensar mais do que com a cabeça, de passagem, enquanto nos sentávamos por ali; tínhamo-nos levantado do banquete para fumar e rimo-nos tanto quando, ao mesmo tempo, lhe disse - foi aqui que ele ontem me contou a verdade sobre a Salix. Conversa de telenovela mexicana ao cair da noite, disse ela à planta, mas com sotaque brasileiro, e não estava longe disso, como, aliás se veio a comprovar pela revelação do jardineiro, finalmente, in loco, da sua teoria quanto ao desfecho aparente do transplante de há dois anos: a Salix foi ocupada por uma raiz vizinha, tornou-se gémea siamesa e, dificilmente, sobreviverá com o seu corpo original. Mas criaram-se vidas, assim continuemos, a Salix, a Yucca, a minha amiga, o jardineiro e eu.
A chuva apagara uma única palavra pintada a branco num tronco, reparámos nisso quando nos sentámos nele a ver-nos jogar memórias e possibilidades à vez. Dizia omnibus, em latim, para todos. O clima é um bem comum, de todos e para todos. Do que mais me lembro agora é de um caracol, cabeças no telhado, um telescópio feito sopro no fundo do mar, dos peixes voadores que fotografara num sonho, as imagens das estórias que pudemos vislumbrar em barro e cartão. Duas mãos esticadas de parede a parede revelando estar entre elas. Mas também gemidos e outros aspectos grotescos. Órgãos em cima da mesa, caretas. Tinha havido uma vaga de calor e os contentores de papelão continuavam cheios, a abarrotar como o de vidro transparente. O citadino perturbado e a sua mulher recolocaram-nos à entrada do pátio a meia da semana e lá continuaram a encher-se, assim como o espaço vazio que deixaram. Alguém se apoderara dos canteiros de legumes, na Primavera, espalhando mais de quarenta plantas de tomates, das quais deixámos ficar umas quantas que não asfixiem todas as outras que ainda possam crescer agora… havendo marionetas, que sejam tomates, muitos tomates em marcha pelas impressões que, realmente, nos tocam. Mas quem sabe onde e quando se desenrolarão novos capítulos: com quem e para quem, foi o que primeiro nos perguntámos.
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