Sol de pouca dura
Vamos ouvindo-os falando enquanto passam, os nossos novos vizinhos, tanto mais envelhecidos como na idade madura, ora por detrás das portadas da frente, enquanto descansamos na hora de maior calor e adiantamos trabalho burocrático ou criativo no escritório provisório, ora no pátio traseiro, onde tantas vezes recuperamos achados abandonados, lavamos roupa no tanque que, rapidamente, seca ao sol fustigante de Agosto, a maior parte das vezes levando a cabo pequenas reparações e construções. Há uns dias ouviu-se alguém dizer na estrada, directamente, do futuro jardim frente à casa, ainda apenas terra esgotada, que estaríamos armados em camponeses, que seria sol de pouca dura. Ao que o meu companheiro - nascido e criado, por um caseiro e uma caseira, uma trabalhadora fabril e um mestre d’obras, no Alto Alentejo, trabalhador incomparável de sol a sol, revelando-se pouco a pouco no uso da pá, da foice e da picareta - terá respondido que a ver vamos, o sol por aqui parece ser muito forte e não estamos cá de férias.
Não sei que lhes diria eu, se alguma coisa, já um pouco enjoada da converseta simpática, mas opaca, com que nos têm, em geral, brindado todos os dias. Serão difíceis de engolir, compreende-se, as mudanças infligidas por gente de fora a um terreno que se encontrava no domínio público faz muito tempo, mas confesso desconhecer que motivos, para além do egoísmo e estupidez naturais, farão esmorecer a curiosidade, recusar apoio ou, simplesmente, uma maior abertura de espírito a quem mostra vontade de regenerar o que já morreu e de alicerçar laços sociais inter-geracionais na mesma língua, o que vem sendo raro nesta região que tudo vende a quem maior poder de compra terá, preferencialmente, às toneladas, com passaporte de luxo e residência no Algarve.
Dos nossos vizinhos, residentes e veraneantes, sei que entupiram os canais de água que nos não salvarão das cheias históricas, com o mesmo entulho que, sistematicamente, despejam nos terrenos estatais frente às suas casas; extorquiram as últimas gotas de água insalubre da ribeira seca, onde proliferavam sistemas elétricos e gasóleo a céu aberto, em plena época de fogos, até à nossa chegada; fecharam os olhos aos verdadeiros crimes ambientais cometidos por investidores em acolhimento local, fechando bocas de incêndio, obstruindo o único caminho aos carros dos bombeiros para a colina da bacia hidrográfica em que todos vivemos; abusaram da pastorícia, indiscriminada e selvaticamente, até já não sobrar qualquer natureza digna desse nome. Ainda assim, está tudo bem, porque já conheci a Angelina, a Clara, o Mário ou a Maria Emília e aqui vou permanecendo, disponível para ouvir quem se puder interessar por alguma genuidade, futuro ou uma comunidade capaz, responsável e solidária.
A gente vai continuar, dure o que durar.
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