Ir e voltar

Não somos todas mães, nem sequer filhas, sobrinhas, netas, irmãs ou primas. Como toda a gente devia saber, nunca estivemos todos no mesmo barco. Eu costumava ler muito e precisar de escrever tanto. Ainda preciso, mas já não domino a pontuação por causa do alemão mal cozinhado e do inglês por apurar. Tenho poucas pretensões de ser ouvida e, por vezes, já duvido se ainda me apetece absorver o que quer que seja humano. Não sei se a arte ainda me emociona e, mais importante, se me voltará a confortar. Não acredito que alguma vez fique em forma. São estes os dias maus, mas não os piores. 

Gosto de ir ver o mar, calçar as luvas para trabalhar no jardim, fazer limonada que é raro beber, ouvir os pássaros mesmo que acorde às três da tarde, a água a correr na ribeira, especialmente, a essa hora. Bebo demasiado vinho e algum leite de vaca, mas pouca água; como muitas azeitonas, pão com queijo e manteiga da boa, receio deixar de o fazer se continuar a ver documentários sobre produção animal. Preocupam-me os fogos, as cheias e a miséria, mas sobretudo a solidão, a minha e a dos outros. 

Passaram seis meses. Não tenho saudades das lojas, dos bares, das manifestações, dos espetáculos, nem sequer de dançar com estranhos ou de passear no canal em momentos incomportáveis. Não sonho com viagens ou roupa, mas gostava de ir ao cabeleireiro africano que ainda não descobri onde vivo agora, eventualmente, ao cinema, quem sabe a floresta de copas altas. Faltam-me a bicicleta sem colinas, ensembles, um convite expontâneo para jantar fora, um concerto inesperado. Falta-me a atenção daqueles e daquelas que vão deixando de estar presentes, não necessariamente a milhares de quilómetros de distância. Falta-me a garra que informou todas as decisões prévias, sigo adiando acções necessárias. Há-de passar o marasmo quando menos puder e nada esperar, suponho. Assim haja alguma loucura.

Tenho curiosidade de saber a que sabe a renúncia ao anoitecer e a que soa então o irreversível.



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