Há Dias Assim
Depois de mais uma longa noite fumada a ouvir música, indubitavelmente, insone, não pude mais que calar o despertador e ignorar um almoço de última hora, bem como a última reunião virtual de trabalho. Lá fora chovia a cântaros, o vento cinza rugia, dentro dos lençóis as vozes familiares dos programas de rádio da manhã em loop, pelo dia afora, aconchegavam-me quaisquer resquícios de culpa. Levantei-me muda e mole, o pão tinha bolor e o gel de banho acabara. Não quis regar a exaustão com chávenas de café, sem antes procurar o guarda-chuva entre os caixotes das mudanças e me fazer à rua para adquirir os bens que me são essenciais.
Eis que, à caixa de correio, chegara um lindo postal da minha boa amiga, que se diz atraída por contradições e me escrevera do Hiddensee, uma pequena ilha paradisíaca no Báltico (que também eu visitei, em 2018), onde não há carros, mas livre acesso ao silêncio, ao cheiro do mar, ao som dos pássaros, da seara e da floresta. Um lugar raro, portanto, e, absolutamente, revelador, como o fundo de si mesmo. Por trás do postal, dentro da caixa de correio, uma carta com corações pintados da minha pen friend de algum tempo, a pequena Maria, que terá agora cerca de 12 anos e que não vejo desde há uma época recente, mas já, claramente, extinta. Tal como a amizade incipiente que me levara a visitar uma mulher de leste na referida ilha.
Entre tantas coisas finais e iniciais, sabem a refresco aquelas outras que, somente, de ternura tratam e de luta ou esforço pouco requerem. Estou cansada, sou uma âncora enferrujada levantando voo.
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