Em húmus nos tornamos
Hoje tive um verdadeiro dia de merda, ou talvez pudesse dizer de mijo, ainda que coisas maravilhosas tivessem acontecido. Tinha ficado a trabalhar até tarde em redes sociais e no poster para uma oficina de compostagem, a primeira que oferecemos a partir do nosso colectivo artístico, fundado em Abril de 2020, e não estava a conseguir adormecer. Estava, simultaneamente, excitada com duas longas e auspiciosos sessões de vídeo-chamadas com as minhas duas colegas e amigas da equipa do colectivo e preocupada há dias com o meu recém marido, com quem vivo há mais de 20 anos e a cujas crises de responsabilidade desenfreada, hiper actividade e falta de comunicação ainda não me rendi. Nisto desperto daquele estado entre o sono e a lucidez, que muitas vezes se instala por horas em fase de insónias, a transpirar e a ranger os dentes, com um nauseabundo cheiro a urina de gato. Tinha colocado a casa de banho do gato com a porta virada para a cómoda e o animal, na sua humilde frustração pela minha desatenção (pensei que com os seus infindáveis miados quisesse mais leitinho para felinos ou um passeio nocturno às escadas), limitou-se a mijar a meu lado e a abancar-se noutras paragens. Escuso-me a relatar os pormenores das horas que se seguiram relativamente a este tópico.
Dormi mal e aos bocados; às 5:00 da manhã ainda li e respondi a um e-mail de uma cliente a tentar mudar as horas da explicação do dia e das próximas semanas, agoirando telefonemas matinais de confirmação uma vez mais… quando o homem me tentou telefonar, depois de quase três dias incomunicável, a querer conforto depois de ter tido um pequeno AVC de madrugada e de ter ido e vindo sozinho do hospital, deixei-o pendurado porque estava furiosa com ele e irritável com tudo o mais. Depois de um dia inteiro de arrufo, falo, finalmente, com ele e choro perdidamente. Eu avisei, eu avisei, eu avisei. Agora tenho medo. E não recomendo uma relação à distância, ainda que depois de décadas de confiança, temporariamente e para realizar um sonho comum. Ele diz que agora já parou mesmo e que vai cuidar de si mesmo, mas será capaz? Já tinha escrito um texto sobre húmus para o nosso website (para compensar a recente desaparição em trabalhos forçados), passado horas ao telefone a discutir assuntos sérios e sabe-se lá que mais. Tudo isto antes de me dizer, ou a quem quer que seja, o que se passara e ainda sem descansar, que tinham sido as ordens claras do médico das urgências. E só o disse depois de ouvir todos os meus desaforos. Nem tenho palavras para esse enorme pormenor.
E depois ninguém acredita, quando eu digo que há motivos para exasperações dramáticas numa relação em que alguém não gere limites de produtividade. Esta nem sequer foi a pior… só a renovação da consciência da vulnerabilidade que nos assiste. A minha, pelo menos.
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